Com taxonomia própria para operações de crédito sustentáveis, banco espanhol pode passar de R$ 20 bi em negócios com atributos ambientais e sociais
O banco espanhol Santander criou uma taxonomia própria para classificar operações de crédito como sustentáveis. A metodologia, que bebeu muito das regras da União Europeia, foi trazida ao Brasil este ano e começa a dar visibilidade ao fluxo local de negócios com atributos ambientais e sociais.
No ano até setembro foram R$ 16,4 bilhões em novas operações de crédito que receberam este selo interno – sendo R$ 12,5 bi em empréstimos feitos com recursos do seu próprio balanço e R$ 3,9 bi em captações via mercado de capitais com títulos de dívida vendido a investidores das quais o banco participou. As cifras consideram todos os segmentos de clientes do banco, do varejo ao atacado.
Até o fim do ano, a cifra deve subir e superar os R$ 20 bi em novas operações no ano.
O mercado de capitais de dívida, que andou devagar no ano até aqui, começou a reabrir e deve ajudar a engordar a cifra final – embora, nesses casos, o banco divida os créditos com os demais bancos estruturadores. Ontem, por exemplo, o Tesouro captou US$ 2 bi em bônus sustentáveis soberanos no exterior, na estreia do Brasil nesse mercado, e o Santander foi um dos coordenadores da oferta, ao lado de Itaú BBA e J.P. Morgan.
“Minha missão aqui é cada vez crescer mais nesses negócios que se enquadram dentro da nossa taxonomia”, diz Esther Dominguez, que desde janeiro usa o chapéu de chefe de sustainable finance do Santander Brasil. Espanhola, Dominguez está no Brasil há 14 anos, com carreira nas áreas de crédito corporativo e negócios com multinacionais.
Segundo a executiva, no ano passado só a área de atacado fechou 100 operações de crédito ESG, entre emissões via mercado e balanço. “Este ano até setembro foram 160 e o pipinele está bastante robusto até o fim do ano, com outras 90 operações.”
Entre as 160 operações já fechadas no ano, estão as emissões de dívida de Ambipar, Cemig, Taesa, Rumo e Eletrobrás. Entre os empréstimos com recursos de balanço está um fechado em setembro com a Be8, antiga BSBios, atrelado a metas de reciclagem de óleo de cozinha.
Reestruturação
A área de sustainable finance foi criada na reestruturação promovida pela vice-presidente Maite Leite com o objetivo de fazer a sustentabilidade permear todos os negócios do banco. A área é integrada ao banco de atacado, mas tem uma atuação transversal para todos os segmentos de negócios.
Historicamente o banco tem presença forte em financiamento a projetos de energia renovável e agora está colocando o foco nesta e em outras três áreas: saneamento, economia circular e mobilidade. São os segmentos tidos como mais maduros no Brasil e com mais potencial de gerar volumes crescentes de negócios.
Para ser computada como sustentável, de duas uma: ou a operação se enquadra na taxonomia do banco ou então vai ao mercado com selo verde concedido por uma instituição independente. Em ambos os casos, valem tanto operações com recursos carimbados para um projeto ambiental e/ou social quanto empréstimos em que o tomador assume metas de sustentabilidade.
Dominguez diz que os maiores desafios que encontra para cumprir o objetivo de crescer o bolo de créditos ESG está em inocular a sustentabilidade nas áreas comerciais do próprio banco, para que as operações verdes e sociais entrem na esteira de negócios, e também na educação e convencimento dos clientes.
Sua área é responsável pelo treinamento das equipes comerciais. “Estamos buscando nos conectar com as áreas comerciais, que são a linha de frente, para ver como conseguimos integrar dentro de suas conversas a nossa oferta de sustentabilidade.”
“Acreditamos que há uma transformação da economia e lá na frente teremos ganhadores e perdedores. Quem não entender a nova dinâmica, vai estar numa situação pior no futuro”, diz Dominguez.
Incubadora ESG
Se a área de Dominguez contempla operações mais mainstream, a área de inovação sustentável funciona como uma incubadora de negócios ESG dentro do banco, com um trabalho quase artesanal em segmentos emergentes e menos desenvolvidos.
Quem toca a área é Leonardo Fleck, que trabalhou nos Estados Unidos para a Fundação Gordon and Betty Moore, do cofundador da Intel, e que chegou ao Santander para estruturar a área do Plano Amazônia, criado junto com Itaú e Bradesco.
Hoje a inovação sustentável mantém o foco na Amazônia, mas ganhou um escopo nacional.
“Aqui identificamos quais os setores e segmentos que estão começando a chegar numa trajetória de crescimento e onde queremos estruturar operações de financiamento que demoram mais, mas que são emblemáticas ou icônicas porque vão demonstrar a viabilidade tanto bancária quanto comercial de certas inovações”, diz Fleck.
Ele cita como exemplos de segmentos projetos de energia renovável, transportes sustentáveis, agronegócio sustentável e bioeconomia.
Esse tipo de estruturação financeira costuma envolver parceiros de fora do banco e capital filantrópico, em projetos chamados de blended finance: os recursos de doação absorvem parte dos riscos e ajudam a tirar a ideia do papel.
Uma dessas operações foi fechada ainda em janeiro. O Santander coordenou e encarteirou parte de uma emissão de R$ 17 milhões em Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) com selo verde. Os recursos foram destinados à startup Belterra e à ONG Conexsus para fornecer capacitação e capital de giro para 22 negócios comunitários, de culturas como cacau, castanhas e açaí. A operação foi securitizada pela Gaia.
“É um grupo que geralmente não alcançamos, porque não temos atuação forte com produtores rurais de pequeno porte. E tem possibilidade de escalar para outros produtores.”
Outra operação foi fechada em meados do ano, para financiar a frota de 300 veículos elétricos da montadora chinesa BYD para motoristas do aplicativo 99, da chinesa Didi.
Em outubro o banco participou de um outro CRA verde, no valor de US$ 47,24 milhões, para financiar 122 propriedades rurais no Cerrado que assumiram o compromisso de expandir a produção sem desmatar novas áreas, inclusive dentro dos limites legais do Código Florestal Brasileiro. As propriedades seguirão os critérios socioambientais da aliança Innovative Finance for the Amazon, Cerrado and Chaco (IFACC).
“Queremos ser o banco de escolha dos clientes que buscam soluções para a descarbonização de suas operações e das suas cadeias de suprimentos. Então, por isso, precisamos ter uma unidade mais dedicada a abrir essas fronteiras de inovação junto com os nossos clientes”, diz Fleck.
Fonte: Capitalreset