Pressionado com a tragédia no Rio Grande do Sul, o governo federal agilizou a criação de um programa para enfrentar emergências climáticas. A ideia é reunir, no total, 23 ministérios — sob o comando da pasta do Meio Ambiente.
O que aconteceu
A proposta está sendo discutida por representantes dos ministérios e outros órgãos oficiais e precisa da aprovação do presidente Lula. A divulgação deve ser feita na próxima semana.
O objetivo é organizar a prevenção a eventos climáticos extremos. Os estudos disponíveis até o momento levam em consideração a frequência e a intensidade dos fenômenos historicamente — ou seja, indicadores do passado. Segundo fontes ligadas ao governo, o novo programa deverá traçar cenários futuros.
O programa de enfrentamento a eventos extremos ainda não tem um nome oficial. Ele vai fazer parte do Plano de Adaptação do Clima, lançado em 2016, mas que não chegou a ser implementado. O plano previa uma atualização a cada quatro anos — mas o segundo ciclo teve início em 2023.
Fontes ouvidas pelo UOL afirmam que a equipe deve trabalhar com prognósticos climáticos “mais robustos, com menos incertezas”. Interlocutores do Ministério do Meio Ambiente afirmam que essa semana e a próxima serão decisivas no governo no que diz respeito à nova proposta.
Atualmente análises são realizadas “olhando para o retrovisor”, diz pesquisador. O especialista em Mudanças Climáticas Pedro Ivo Camarinha, do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais)-MCTI, explica que havia dificuldade em considerar mudanças climáticas futuras nas discussões com gestores públicos.
Camarinha afirma que no passado havia poucos modelos climáticos disponíveis e confiáveis para fazer projeções para as próximas décadas. Em 2016, segundo ele, havia dois modelos. “Quando temos poucos modelos, não conseguimos avaliar tão bem as incertezas dessas projeções. Por isso, esses resultados não eram suficientes para os tomadores de decisão confiarem nos resultados.”
Mais modelos de projeções foram desenvolvidos e passaram a ser utilizados, segundo Camarinha. “Já chegamos a utilizar seis bons modelos e, quando cinco indicam o mesmo sinal, eles mostram uma boa confiabilidade. No Rio Grande do Sul, sempre houve uma convergência desses modelos indicando aumentos dos eventos extremos de chuvas, assim como em Santa Catarina, em boa parte do litoral do país, regiões Nordeste e Amazônica.”
A questão climática era um dos carros-chefes na campanha eleitoral de Lula em 2022. O tema não foi prioridade em gestões anteriores. Relatório elaborado em 2015, durante a gestão Dilma Rousseff (PT), já alertava para cheias no Sul, mas acabou arquivado e não foi usado por nenhum dos governos seguintes.
Ao UOL News, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o projeto depende da criação de novas regras jurídicas específicas para questões climáticas. “Tem determinadas coisas que, pelo grau de ineditismo, não depende apenas de compromisso e vontade”, disse.
“O plano não surge em cima do nada, o que ele se propõe é fazer uma organização que separe o que é emergencial daquilo que é estruturante, criando níveis de agravação do risco. Você pode ter situação de médio impacto, alto impacto e altíssimo impacto.” – Marina Silva, ministra do Meio Ambiente
Monitoramento de cidades
O Brasil tem hoje 1.942 municípios considerados mais suscetíveis a deslizamentos, alagamentos, enxurradas e inundações que devem ser priorizados em ações da União na gestão de riscos e desastres. São locais que já passaram por esses problemas, com registro de mortes e destruição. Os dados fazem parte de levantamento Do Ministério das Cidades e pela Casa Civil atualizado no ano passado. Nessas cidades, vivem 148.885.714 pessoas — o que equivale a quase três quartos da população (73,3%).
Desse total, o Cemaden envia alertas de riscos de desastres a 1.133 municípios atualmente. Em relação aos 809 que não recebem os avisos, Pedro afirma que as ações de monitoramento são apenas uma parte da mitigação dos impactos. “Essa lista vai direcionar outras ações de prevenção”, pondera.
“Essas cidades [1.133] estavam na lista de municípios prioritários feita no passado e estão na lista atual”, diz Camarinha. Nelas, segundo ele, já existem mapeamentos de áreas de risco, pluviômetros instalados (equipamentos para medir o nível das chuvas), cobertura de radar meteorológico e Defesa Civil. No total, o país tem mais de 5.000 cidades.
“As ações de prevenção hoje são feitas olhando pelo retrovisor, com foco no deslocamento de pessoas, obras de infraestrutura. É necessário começar a olhar para onde esses eventos climáticos estão acontecendo.” – Pedro Ivo Camarinha, especialista em Mudanças Climáticas e pesquisador do Cemaden-MCTI.
O que diz o Ministério do Meio Ambiente
“A ideia é ampliar o esforço para fazer a gestão de risco”, afirma Inamara Melo, coordenadora-geral de Adaptação à Mudança do Clima. Um novo projeto para emergências climáticas vem sendo discutido desde setembro, de acordo com ela — na ocasião, foi realizada uma oficina sobre o tema.
“O conceito de emergência climática não está estabelecido em lei”, diz Inamara. “A proposta avalia a inclusão do conceito para o arcabouço jurídico brasileiro.” Na prática, isso significa adotar prognósticos climáticos para direcionar as ações federais, como criar políticas de habitação para pessoas desabrigadas e deslocar recursos para cidades atingidas.
“Essa agenda não foi implementada pelo governo anterior. O governo retomou a agenda de adaptação do clima. Entendemos que o planejamento é necessário, mas precisamos também de respostas mais urgentes e da concentração dos esforços na gestão dos riscos.” – Inamara Melo, coordenadora de adaptação do clima do Ministério do Meio Ambiente
Inamara faz parte de um dos grupos de trabalho do CIM (Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima). Anunciado como “o principal órgão da governança climática brasileira” pela ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima), o comitê, formado por 18 ministérios e duas instituições, só teve uma reunião até hoje.
Mas houve reuniões dos grupos de trabalho que o compõem, segundo Inamara. São quatro, no total. “Em novembro, fizemos quatro reuniões preparatórias no Grupo de Trabalho de Adaptação”, afirma. “Embora a agenda do comitê tenha a regularidade de uma ou duas reuniões ao ano, não significa que ele não esteja funcionando.” O grupo coordenado por Inamara teve reuniões com a ministra nos dias 19 e 20 de março.
O órgão foi relançado em 14 de setembro de 2023, com a presença de nove ministros. Na ocasião, o governo anotou críticas ao antecessor Jair Bolsonaro (PL) por deixar o comitê “inoperante”. Fontes relacionadas ao governo afirmam que há alguma previsão de uma próxima reunião, mas não há uma data prevista até o momento.
Fonte: Uol Notícias