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quarta-feira, dezembro 11, 2024
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Áreas embargadas e limitações ao crédito rural: caminho para a sustentabilidade?

Busca por compliance por normas ambientais tem invadido debates e refletido em novas regulamentações

Cada vez mais não basta ser sustentável, é preciso parecer sustentável, na linha da famosa frase atribuída a César.

A busca por transparência, rastreabilidade e compliance com normas ambientais que incluam toda a cadeia produtiva tem invadido discussões internacionais e refletido nas novas regulamentações que impactam tanto as exportações quanto a quanto as regras para o financiamento das atividades agropecuárias.

As exportações do agro brasileiro foram recordes em 2023 e atingiram mais de R$ 166 bilhões em vendas, respondendo por 49% da pauta exportadora nacional, segundo a Associação Brasileira do Agronegócio. Em 2024, os números continuam subindo e as vendas externas em abril foram quase 4% maiores do que no mesmo período do ano anterior. China, Europa e Estados Unidos continuam sendo os principais destinos das nossas exportações.

É nesse cenário que as novas regulações, como a aprovada na União Europeia contra o desmatamento e que impõe regras para que apenas produtos ‘livres de desmatamento’ possam entrar no bloco, vão impactar toda a cadeia do setor. Commodities como café, soja e carne vão precisar comprovar que não contribuíram para degradação florestal  e, consequentemente, para emissão de gases de efeito estufa. Aqui, não importa se a supressão de vegetação foi autorizada pelas leis do país de origem ou se foi ilegal. Quanto maior a classificação de risco do país produtor, maior será o número de documentos e dados que precisam ser apresentados.

O impacto das medidas vem sendo sentido por produtores e empresas que começam a se preparar para as novas regras. O escrutínio é cada vez maior nas áreas com embargos e uma verdadeira transformação das regras de concessão de crédito rural e avaliação dos riscos socioambiental e climático está em andamento no Brasil.

O Banco Central alterou as normas sobre impedimentos sociais, ambientais e climáticos e, em 2024, entrou em vigor a proibição de concessão de crédito rural para áreas em todos os biomas com embargo vigente. Anteriormente, a restrição recaía apenas nas áreas da região Amazônica.

Na mesma linha, o BNDES estabeleceu que não será concedido crédito rural, inclusive pela rede de agentes financeiros vinculados, às atividades em imóveis rurais com área embargada.

É interessante observar que, com as alterações, a proibição de financiamento foi estendida para toda a propriedade, e não apenas à área eventualmente desmatada de forma ilegal, muito embora a legislação ambiental seja clara em determinar que o embargo deve ser restrito à área onde efetivamente esteja acontecendo uma infração ambiental, não alcançando as demais atividades ou áreas da propriedade.

Essas mudanças têm trazido alguns desafios práticos. Um deles – quiçá o maior – é a própria análise das áreas embargadas. Uma rápida consulta na base de dados do IBAMA mostra que mais de 80 mil áreas estavam embargadas no país em maio de 2024, mas não é possível identificar se esse embargo se refere a uma medida acautelatória, aplicada de forma precária durante uma fiscalização, ou sancionatória, imposta depois do devido processo legal.

Esses dois tipos de embargo existem na legislação brasileira e ambos são imediatamente incluídos na lista pública de áreas embargadas no site do Ibama.

No entanto, é importante ter em mente que o embargo acautelatório é aplicado imediatamente, sem o direito de defesa prévia, e é uma medida usada para impedir a continuidade de uma eventual irregularidade. Nessas situações, a falta de apresentação, no momento da fiscalização, da autorização de supressão de vegetação – que muitas vezes está na sede da propriedade – pode levar a um embargo que permanece ativo por meses na base de dados do órgão ambiental. Assim, mesmo que a atividade esteja regularizada naquela propriedade, o embargo impacta automaticamente em eventuais análises de financiamento para qualquer atividade em toda a propriedade.

Outro ponto de reflexão é o fato de que, pela legislação ambiental, o embargo deve atingir somente a área em que ocorreu um ilícito, e não a propriedade toda. Restringir o financiamento de uma atividade na totalidade da propriedade rural embargada é uma prerrogativa do sistema financeiro, mas vai muito além do que a própria legislação de proteção ambiental estabelece.

É certo que iniciativas para combater o desmatamento ilegal são necessárias e é fundamental uma atuação rápida e eficiente dos órgãos ambientais, garantindo a implementação dos instrumentos do Código Florestal, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), para que informações sobre a regularidade ambiental das propriedades rurais possam ser verificadas de forma ágil e segura.

A análise do CAR vem evoluindo no Brasil, mas ainda há um longo caminho pela frente. Em 2022, havia mais de 6 milhões de propriedades cadastradas e menos de 2% haviam sido analisadas pelos órgãos competentes. O uso de ferramentas para uma análise automatizada dos cadastros tem aumentado no último ano e auxiliado nas conclusões das análises, principalmente nos Estados do Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná e São Paulo. De acordo com o relatório “Onde Estamos na Implementação do Código Florestal”, publicado pela Climate Policy Initiative, considerando todos os Estados brasileiros, o percentual de cadastros com análise concluída aumentou em relação ao ano anterior, mas, em 2023, representava apenas 2,7% das áreas.

Parece claro que a efetiva operacionalização de instrumentos como o CAR pode desempenhar papel primordial na certificação da regularidade ambiental das propriedades rurais e auxiliar no monitoramento do desmatamento e na identificação de áreas que não estejam em compliance com as normas ambientais.

Na mesma linha, os embargos acautelatórios, impostos sem oportunidade de defesa prévia, deveriam ser previamente analisados e validados pelas autoridades ambientais antes de serem lançados na base de dados pública, pois, em muitos casos, não basta estar de acordo com as normas ambientais e ser sustentável, é preciso também parecer, como já dizia o ditado.

Por Natascha Trennepohl

Fonte: Valor Econômico

 

 

 

 

 

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