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terça-feira, outubro 22, 2024
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Mulheres negras no agronegócio: onde estão elas?

Presença de mulheres negras ainda é pequena no agro, mas elas têm conquistado novos espaços

Se para mulheres brancas a busca por mais espaço no agronegócio já é uma tarefa árdua, para as negras a luta é ainda maior. Apesar de serem quase um quarto da população brasileira, no campo elas são minoria. Mas existem, e estão prontas para abrir caminho às próximas que virão, seja por meio de ações de inclusão nas empresas do setor ou contribuindo para que a categoria tenha mais representatividade.

É o caso da agrônoma Samilla Candida, gerente técnica da Nutrien. Mulher preta e de origem humilde, natural de Uberlândia (MG), ela começou a se interessar pelo meio rural ainda jovem, quando seu tio foi caseiro em uma fazenda. “Quando falei para minha família que ia fazer agronomia, foi um susto. Na época, há quase 20 anos, não tinha muitas mulheres na área”, conta. Em seus tempos de universitária, ela foi uma das únicas negras na Universidade Estadual de Goiás, em Ipameri.

Difícil mesmo foi o acesso ao mercado de trabalho. Com os processos de sucessão familiar no horizonte, parte dos estudantes de agronomia do Centro-Oeste do país é composta de filhos de produtores rurais ou pessoas que já têm alguma relação com profissionais do setor, o que ajuda os recém-formados na criação de uma rede de relacionamentos profissionais – e na conquista de empregos.

Samilla, que não tinha histórico nem parentes no agro, precisou voltar para Uberlândia quando concluiu a graduação. Ela estava desempregada, e assim permaneceu por alguns meses. Para se manter na ativa, a agrônoma partiu para um mestrado na área agrícola e, em paralelo, trabalhava com revenda de roupas, que buscava em São Paulo. “Depois de nove meses desempregada e fazendo mestrado, conheci uma mulher para quem fui vender roupas. Ela perguntou o que eu fazia, eu respondi, e ela me disse que o marido também era agrônomo. Ela pegou meu contato e passou para ele. A partir dessa conversa, acabei entrando em um processo seletivo. Foi como consegui minha primeira vaga em uma empresa do setor”, relata.

A mineira já tem 13 anos de formada. Por ser uma das poucas mulheres negras do agro em sua rede de trabalho, ela percebeu, com o tempo, que essa realidade também passou a fazer dela uma referência. Isso a levou a estudar mais sobre letramento racial, diversidade e sobre a importância de ocupar espaços como o que ela hoje ocupa, ainda formado majoritariamente por homens brancos. “Ser a única em um ambiente profissional muitas vezes foi difícil, mas também percebi que eu tinha que me posicionar. Assim, outras mulheres não precisam passar pela trajetória que eu passei”, afirma.

Ela trabalha na Nutrien há pouco mais de dois anos. Na empresa, conta, a agrônoma tem oportunidades para tratar sobre o tema da diversidade racial, quando divide com os demais funcionários a mensagem sobre a importância da pluralidade. Por cerca de um ano, Samilla ocupou a posição de líder de um projeto de diversidade, raças e etnias dentro da companhia, papel no qual desenvolvia debates, lives de conscientização sobre a questão racial.

Ela diz que, no campo, o número de negros é hoje maior do que quando ela ingressou na carreira, ainda que continue muito inferior ao de pessoas brancas. Além disso, continua, entre os profissionais negros, os homens compõem maioria em proporção até maior do que no caso dos trabalhadores brancos.

No mês em que se celebra o Dia da Consciência Negra no Brasil, a ascensão profissional de pessoas como Samilla mostra que a redução das desigualdades passa necessariamente pela abertura de oportunidades. En- tre os produtores rurais, menos de 9% se declaram pre- tos, segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2017 – não há dados específicos sobre mulheres negras na pesquisa. Outros 44,5% identificam-se como pardos.

Sem emprego após a faculdade, Samilla Candida entrou no mestrado enquanto buscava oportunidades — Foto: Daniel Custódio/Ed. Globo

Sem emprego após a faculdade, Samilla Candida entrou no mestrado enquanto buscava oportunidades — Foto: Daniel Custódio/Ed. Globo

Niellen Santos, de 33 anos, coordenadora de governança e processos para proteção de cultivos da Bayer, teve uma trajetória um pouco diferente. Paulista da cidade de Americana e formada em administração, ela lembra que trabalhou por muito tempo na área de serviços e encontrava dificuldade para migrar da posição de analista para cargos de liderança.

Então surgiu a oportunidade de participar do processo seletivo para vagas afirmativas para negros no programa de trainee da multinacional alemã, onde está desde 2021. “Fiquei no programa de trainee por um ano e meio, estive com o time comercial na soja e depois vim para a oportunidade na área de governança. Temos ações fortes dentro da empresa para estimular e fortalecer pessoas negras que estão em formação de carreira”, declara.

Segundo a executiva, os programas de inclusão de empresas da área têm ajudado a ampliar o contingente de mulheres negras na agropecuáriaEla ressalva, porém, que a disparidade em relação a mulheres e homens brancos ainda é muito grande. “Meu sonho é que um dia programas como esse não sejam necessários, quando a própria sociedade tenha estrutura educacional igualitária, para todos, desde a base”, diz.

Enquanto isso não acontece, ela acredita ser importante que as mulheres pretas, especialmente as que estão em posições de liderança corporativa, ajudem a abrir espaços para que outras mulheres também os ocupem. Na companhia alemã, o Programa Liderança Negra Bayer – pelo qual Niellen foi contratada – surgiu em 2020 para se dedicar à atração de trainees negros para a unidade da empresa no Brasil. Na primeira turma do programa, as mulheres ocuparam 84% das 19 vagas que foram preenchidas; já na turma de 2022, que ainda está com atividades em andamento, 70% das 33 vagas foram destinadas às mulheres.

A empresa tem ainda um programa interno de mentoria para negros. Com duração de três meses, a iniciativa atua no desenvolvimento de estagiários e profissionais juniores, que recebem treinamentos e consultorias de profissionais mais experientes escolhidos por eles – e o recorte étnico-racial é um fator central.

Entre o fim de 2020 e a primeira metade de 2021, em outra ação de integração, a Bayer organizou um Programa de Mentoria Reversa, para promover a interação e aprendizado entre profissionais de diferentes gerações. Durante seis meses, 46 colaboradores passaram pelo programa, em que pessoas mais experientes foram treinadas por colegas com idade média de 25 anos. Niellen foi uma das mentoras.

Com o foco específico em mulheres, a Bayer conta com o programa chamado B.Afro Delas, que tem como objetivo conectar mulheres pretas e pardas a seus anseios e auxiliar na estruturação do plano de desenvolvimento individual de carreira. A iniciativa nasceu a partir do mapeamento da população negra dentro da companhia, que tem alta concentração em cargos iniciais. A multinacional considerou também dados do Conte Comigo, iniciativa que reúne serviços em apoio ao equilíbrio emocional, bem-estar e gerenciamento do estresse das pessoas.

A primeira edição do programa B.Afro Delas, lançada em 2021, dedicou-se ao desenvolvimento e à aceleração da carreira de 45 colaboradoras autodeclaradas negras (pretas e pardas) que revelaram o desejo de dar um passo de evolução em suas carreiras. “Porque não basta apenas incluir o negro no contexto corporativo. É preciso dar suporte para que aquela profissional, que veio de uma base diferente, possa se desenvolver”, completa Niellen.

Fonte: Globo Rural

 

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