Eventos climáticos extremos fizeram disparar os gastos com sinistros no setor agrícola.
Os eventos climáticos extremos nas lavouras, com chuvas torrenciais e períodos de longa estiagem, fizeram o gasto com o sinistro do seguro rural disparar e trouxeram tormentas no balanço de pagamento do setor no Brasil. Nos dois últimos anos, as seguradoras amargaram um rombo de R$ 3,1 bilhões.
Foram R$ 11,1 bilhões arrecadados com o prêmio e R$ 14,2 bilhões gastos com indenizações aos agricultores entre 2021 e 2022, segundo dados Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) e da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg). Em 2021, foram R$ 4,8 bilhões em apólices do seguro rural e R$ 5,4 bilhões pagos em indenizações. Em 2022, R$ 6,3 bilhões de receita e R$ 8,8 bilhões em sinistros.
Com os resultados, o sinal amarelo foi aceso e empresas deixaram de operar com o produto, no momento em que o mercado brasileiro começava a se consolidar. Ao menos três seguradoras – Excelsior, Ezze e Tokio Marine – suspenderam essas operações.
De acordo com representantes do setor, a crise é causada pela confluência entre três fatores: a série de eventos climáticos extremos em regiões cujos agricultores mais contratam o seguro rural, a falta de incentivo para pulverizar o risco das companhias e a desconexão entre os elos dessa cadeia. Com isso, o mercado de resseguros, que garante as operações das seguradoras, também se retraiu.
“Por conta das perdas decorrentes dos eventos climáticos, os resseguradores tiveram menor vontade para conceder capacidade ao mercado. Já as seguradoras reduziram sua atuação, algumas não estão operando momentaneamente e outras aguardam melhores condições de resseguro para entrar neste mercado”, diz Joaquim Francisco Rodrigues Cesar Neto, presidente da Comissão de Seguro Rural da FenSeg.
Neto atribui o prejuízo financeiro à concentração de eventos climáticos em áreas que mais contratam o produto, como Paraná e Rio Grande do Sul, entre maio de 2021 e março de 2022. No período, geadas, chuvas generalizadas de granizo e até uma estiagem severa em novembro e dezembro de 2021 atingiram grandes lavouras, como milho e soja, e menores, como de frutas, hortaliças e café. “As indenizações avançaram até o primeiro semestre de 2022 e os resultados daquele ano são negativos por causa dessa sequência de eventos.”
Na parcial do primeiro semestre de 2023, antes do plantio da safra de verão e dos efeitos das recentes chuvas intensas causadas pelo El Niño na região Sul, o balanço é positivo em R$ 940 milhões. Na soma de 18 anos de operações com seguro rural, o setor também opera no azul, com R$ 264 bilhões recebidos com o prêmio pago pelos produtores e R$ 101 bilhões empenhados para cobrir as perdas nas lavouras.
Para o representante das seguradoras, diante das dificuldades de se alinhar questões meteorológicas ao cenário cada vez mais imprevisível de mudanças climáticas, é importante buscar a dispersão de risco. “É fundamental partir para outras regiões e ampliar o mutualismo, quando muitos contratam e poucos utilizam, para equilibrar a conta, manter as seguradoras na atividade e não ter a necessidade de aumentar a taxa de precificação de risco”, explica Neto.
Buscar novos mercados e oferecer produtos diversos, como seguros para armazenagem e logística, e assim, mitigar os riscos, deve ser a saída para as operadoras, na avaliação do governo federal.“A carteira do agro só trabalha com risco climático e o mercado se concentra onde tem maior interesse do mercado. No Centro-Oeste, principal mercado produtor do país, o agricultor nem quer ouvir falar de seguro rural”, afirma o diretor do departamento de gestão de riscos da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Jônatas Pulquério.
“É função do governo incentivar que novos produtos sejam apresentados, pulverizar o mercado, pois sem esse mutualismo a carteira é insustentável.” — Jônatas Pulquério
Uma das opções para reduzir o risco e baratear os custos aos agricultores, o seguro paramétrico é comum nos Estados Unidos. O modelo não garante proteção integral para toda produção, mas especificamente para perdas causadas por variações de determinados parâmetros de risco, como chuvas acima ou abaixo do normal em períodos específicos.
No entanto, de acordo com Miguel Ivan Lacerda, ex-diretor do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e pesquisador da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa), esse modelo dificilmente funcionaria no país. “Existe uma desintegração de planejamento entre os institutos de meteorologia e entre essa área e a do seguro rural no Brasil.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o NOAA (departamento federal responsável pela área climática) é integrado com as seguradoras e recebe para fornecer informações que baseiam o seguro paramétrico. Além disso, o seguro rural é obrigatório naquele país, o que dificilmente aconteceria no Brasil se a proposta fosse ao Congresso”, diz Lacerda.
Na esteira da crise econômica causada pela disparada no pagamento dos sinistros, um antigo gargalo no setor é a falta de recursos públicos para subvenção ao prêmio pago pelos produtores na contratação do seguro rural. Pelo modelo vigente no país, o governo federal paga parte do valor dos prêmios, prática também adotada por governos estaduais, como São Paulo e Paraná. Mas os recursos são insuficientes ou alvo de contingenciamento orçamentário para o cumprimento de metas fiscais.
Para Guilherme Rios, representante da Comissão Nacional de Política Agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o seguro rural tem de ser visto como investimento pelo governo federal. Cortes no orçamento do programa, segundo ele, significam gastos públicos no futuro para renegociação de dívidas de produtores que perderam a produção por problemas climáticos.
Enquanto o governo federal destina em torno de R$ 1 bilhão por ano para subvencionar o prêmio do seguro rural, o setor pedia o dobro para este ano e ainda cobra suplementações e espera o triplo, ou seja, R$ 3 bilhões no orçamento de 2024.
Fonte: Valor Econômico