A afirmação é de Carlos Augustin, presidente do conselho de administração da Embrapa
O Conselho de Administração da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) aprovou, recentemente, uma série de determinações para “desengessar” e “tirar as amarras” da estatal em mais uma tentativa de melhorar a gestão e a performance comercial da empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura.
O objetivo é fazer uma reforma estrutural na empresa para dar um “olhar comercial” e um “pingo de capitalismo” à estatal, nas palavras do presidente do Consad, Carlos Augustin.
As mudanças em curso buscam melhorar a captação de recursos privados para o financiamento de pesquisas, como forma de diminuir a dependência do Tesouro Nacional, e potencializar a arrecadação de royalties pelas tecnologias geradas pelos pesquisadores, hoje restrita a R$ 50 milhões anuais, cerca 1% do orçamento geral da estatal, de R$ 4,7 bilhões.
“Vamos fazer a desamarração desse engessamento estatal”, disse Augustin ao Valor. “A Embrapa não tem um olho comercial porque nunca foi exigido isso dela. E o pesquisador não tem a menor capacidade de ter esse olho nem vai conseguir ter”, acrescentou.
Após dois anos de conversas e a análise de um extenso relatório do Grupo de Estudos Avançados de Aprimoramento do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária entregue em 2024, o Consad determinou que as mudanças sejam feitas e vai acompanhar de perto a evolução dos temas, com reuniões mensais.
“O funcionário da Embrapa nunca foi chamado a fazer outra coisa senão pesquisar. E têm culpa todos os ministros [da Agricultura] que passaram por aqui. Todos tiveram boa vontade de fazer mudanças, mas quando viram o tamanho do desafio, deixaram passar. Agora estamos determinados. Precisa da mudança estrutural da estatal para ela poder ter interface com setor privado, que não tinha de jeito nenhum, era algo horrível”, afirmou Augustin.
Segundo ele, o assunto foi levado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Não é que a Embrapa está fazendo pesquisa e dando para o povo. Ela está dando de graça para empresa privada ganhar em cima. O conselho determinou que a Embrapa tem que melhorar a performance de captação”, indicou.
Recursos para pesquisas
Entre os aprimoramentos estão a busca por novas fontes de recursos para financiar as pesquisas, a melhoria nos contratos e convênios com empresas privadas que exploram tecnologias da Embrapa para que a estatal possa arrecadar mais com royalties e serviços e a revisão de gastos nas 43 unidades descentralizadas e na sede para identificação de oportunidades.
Augustin quer criar um núcleo comercial para gerir os contratos da Embrapa com agentes privados. A missão é fazer um inventário das tecnologias desenvolvidas pela estatal e dimensionar os valores de mercado para exploração dessas inovações. Ele criticou acordos recentes em que a empresa pública ganhará apenas 1% dos resultados comerciais de suas pesquisas.
Uma hipótese em estudo é contratar serviços do Banco do Brasil ou outra instituição externa, com expertise no ramo, para coordenar o núcleo comercial e fazer a gestão dos contratos e parcerias, disse ele.
“Sou uma estatal, sou quadrado, não consigo conversar com o mercado, e quando consigo, se entra dinheiro, não fico com ele”, criticou. A arrecadação da empresa vai para o cofre da União e acaba “descontado” dos valores repassados pelo Ministério da Agricultura à estatal, outro item que o conselho quer mudar para dar mais autonomia no uso da receita própria.
A intenção é ajustar a atuação dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs), criados para essa função. Em 2024, foram arrecadados apenas R$ 3,3 milhões pelo modelo em um projeto-piloto. A Embrapa quer ampliar essa captação por meio de parcerias com fundações e entidades privadas.
Augustin descartou qualquer possibilidade de “privatização” da empresa. “Ninguém quer privatizar a Embrapa, mas o que não concordo é que levamos anos para fazer uma tecnologia cara, negociamos mal o contrato e uma empresa privada vai explorar aquilo e devolver muito pouco para nós. E é isso que está acontecendo”, disse.
“A Embrapa não tem agilidade e nenhuma visão comercial. Temos que reformar a diretriz, pois é uma bagunça burocrática do governo. Precisa de um pingo de capitalismo e negócio”, afirmou. Segundo ele, a missão é ter “perenidade” dos recursos obtidos por doações e negociações comerciais, enquanto conta com a garantia do repasse da União para honrar os salários.
Augustin admitiu que a reforma não será fácil e evitou estimar prazo para que essa nova roupagem da Embrapa esteja plenamente implementada. Ele disse que não serão necessários ajustes normativos ou legais, e que conta com o apoio da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) para dar o “conforto jurídico” para as mudanças.
A AGU deverá emitir um parecer jurídico para consolidar a interpretação conjunta das leis de Inovação (10.973/2004) e das Estatais (13.303/2016) para deixar claro o caráter extra-orçamentário das receitas próprias da Embrapa. A União já tem esse entendimento. Isso deve favorecer que os recursos arrecadados via NIT fiquem na estatal. Outro tema tratado com o órgão é o incremento da remuneração de pesquisadores enviados para fora do país, atualmente limitada ao teto do servidor público federal, de R$ 41,6 mil.
Fonte: Globo Rural