Por Bianca Lima, do Estadão, e Isadora Duarte
Brasília, 23/04/2024 – O assessor especial do Ministério da Agricultura e Pecuária, Carlos Ernesto Augustin, é enfático nas críticas ao Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), uma espécie de seguro rural voltado aos pequenos e médios produtores – o qual conta com subsídios do governo e está sob o escrutínio da equipe econômica e do Banco Central.
“O Proagro é mal administrado e sujeito a fraude e, por isso, deve ser revisto”, afirmou Agustin ao Estadão/Broadcast. “Hoje, é quase um assistencialismo. O agricultor não paga e o banco faz de tudo para pegar o Proagro. Tem caso de um mesmo agricultor que usou o programa vinte anos seguidos”, diz o assessor do ministro Carlos Fávaro, que defende uma ampla reformulação no sistema de seguros rurais existentes hoje no País.
Criado há mais de 50 anos, o Proagro tem o objetivo de socorrer pequenos produtores em caso de eventos climáticos extremos ou pragas e doenças sem controle. Nessas hipóteses, o beneficiário fica isento de pagar os financiamentos rurais de custeio agrícola, que são assumidos pela União.
Nos últimos anos, porém, uma combinação de mudanças climáticas, suspeita de fraudes e desenho visto como falho (com bancos que concedem o crédito sendo os mesmos que avaliam o pagamento do seguro) levou a um crescimento vertiginoso no orçamento do programa – que alcançou quase R$ 10 bilhões em 2023.
As críticas de Augustin encontram amparo em relatório recente do Tribunal de Contas da União (TCU), o qual aponta deficiências na coordenação e fiscalização do Proagro, falta de clareza na definição do público-alvo e permissividade com condutas avaliadas como negligentes por parte de produtores.
Esses alertas contribuíram para a revisão das normas do programa, realizada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) no início desse mês. O colegiado é formado pelos ministérios da Fazenda e Planejamento e Orçamento, além do Banco Central. Na ocasião, decidiu-se, dentre outras modificações, pela limitação do público elegível.
A expectativa é de que haja uma redução de custo de R$ 935 milhões no segundo semestre deste ano e de R$ 2 bilhões em 2025, segundo a autoridade monetária.
A ideia do Ministério da Agricultura, já vocalizada pelo ministro Fávaro, é de que os recursos economizados sejam redirecionados ao Programa de Subvenção ao Seguro Rural (PSR) – mecanismo mais amplo do que o Proagro, em que o risco fica com as seguradoras privadas e não com o Tesouro. A expectativa da pasta é destinar cerca de R$ 3 bilhões ao PSR na safra 2024/25. Atualmente, o valor orçado é menos de um terço disso: R$ 964 milhões.
Mas, por enquanto, não há garantias de que o remanejamento de fato ocorrerá. Pressionada a cortar gastos, a equipe econômica incluiu esses valores no seu programa de revisão de despesas e poderá usar parte do montante para melhorar o resultado das contas públicas. A decisão caberá à Junta de Execução Orçamentária (JEO), formada pelos titulares da Fazenda, Planejamento, Gestão e Casa Civil.
A bancada ruralista no Congresso e entidades ligadas ao agronegócio, que são críticas às mudanças realizadas no Proagro, também alertam que o programa voltado aos pequenos agricultores não pode ser contingenciado, enquanto que o PSR está sujeito a bloqueios. Ou seja, mesmo que o remanejamento de verbas ocorra, ele poderá ser inócuo caso haja a necessidade de congelar despesas do Orçamento.
Redesenho do seguro rural
Para Augustin, o problema do seguro rural no Brasil não está apenas no volume alocado, considerado por ele como irrisório para a necessidade do setor, mas também no desenho da política pública.
“Como é o seguro rural nos Estados Unidos? 85% da área americana é segurada e o custo médio é de 12%, sendo que o governo americano paga 65% desse custo”, diz o assessor especial da Agricultura, destacando que os EUA têm recursos cinquenta vezes mais volumosos do que o Brasil para essa finalidade.
“Aqui, o custo é de 6% e o governo paga uns 30% disso. Ou seja, o valor do prêmio é baixo, ele segura muito pouco (em termos de área atendida) e o subsídio do Estado é pequeno. Tem de repensar tudo”, afirma.
Dados do próprio Ministério da Agricultura mostram que a área coberta pelo programa de subvenção ao seguro rural no País vem caindo desde 2021, ano em que somou 14,007 milhões de hectares segurados. Em 2022, a área coberta passou para 7,250 milhões de hectares e atingiu a menor extensão desde 2020 no ano passado, com 6,25 milhões de hectares segurados. Em 2023, a subvenção alcançou 107 mil apólices de cerca de 70 mil produtores, com valor coberto próximo a R$ 40 bilhões.
“Temos de inaugurar outra conversa: criar um seguro caro, com subsídio alto. E o agricultor que não quiser fazer, não precisa, mas aí o problema é dele. Depois, não me venha chorar as pitangas. É isso o que acontece nos EUA”, opina Augustin, destacando que o governo deveria centralizar os subsídios rurais na ferramenta do seguro e que, assim, poderia ter um mecanismo mais robusto.
Além da mudança nos parâmetros, ele defende alterações no formato do produto: “O seguro no Brasil tem sido um seguro do crédito rural, do banco, e não do agricultor. Se a gente quiser fazer um seguro correto, tem de fazer seguro da renda”, afirmou Augustin, em referência ao modelo atual garantir o pagamento dos financiamentos tomados pelo agricultor e não a renda esperada por ele na safra.
Ele afirma que o seguro paramétrico pode ser uma solução e que isso está sendo avaliado dentro do Ministério. Trata-se de uma cobertura mais personalizada ao produtor, que usa como referência, índices climáticos pré-definidos, como por exemplo, parâmetros climáticos das regiões, incidência solar, volume de chuvas e as necessidades pluviométricas da cultura a ser assegurada. Esses indicadores climáticos são a base para o cálculo do valor das apólices e também para liberação das indenizações.
“Por meio de softwares, a seguradora sabe qual é a melhor época para o plantio, a melhor variedade e o manejo adequado. Ou seja, ela orienta. E para ter o valor mais baixo do seguro, é necessário seguir esses passos”, explica Augustin. Segundo ele, essa modalidade vem ganhando força em países da América Latina, como México, Colômbia e Chile.
Contatos: isadora.duarte@estadao.com; bianca.lima@estadao.com