A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) já viveu dias melhores quando o tema é orçamento para custeio de pesquisa. Segundo a presidente da instituição, Silvia Massruhá, há 10 anos os recursos para essa finalidade estavam na casa dos R$ 800 milhões. Em 2024, o valor chegou a cerca de R$ 176,5 milhões, uma queda de quase 80%, sem contar a desvalorização imposta pela inflação. “Um orçamento tobogã”, resumiu a presidente.
Com o orçamento apertado, a alternativa é procurar novas receitas. Por isso, a Embrapa deve apresentar ainda em fevereiro ao ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, uma série de possíveis medidas. A ideia é alinhar quais serão descartadas e quais serão feitas a curto, médio e longo prazo.
Entre o que será negociado, estão propostas como o checkoff, uma espécie de taxa sobre agentes da cadeia produtiva para financiar a pesquisa. Outra medida mais imediata é a retirada da programação orçamentária da União de cerca de R$ 40 milhões resultantes de royalties. Segundo Massruhá, esse valor entraria diretamente na Embrapa via Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), o que geraria um acréscimo de recursos mais rápido.
Em conversa exclusiva com o Agro Estadão, a presidente deu mais detalhes sobre a questão orçamentária e as propostas que circulam na diretoria. Além disso, comentou sobre os principais temas que pretende priorizar na entrega de uma agenda legislativa no Congresso e os planos de avanço em pesquisa para 2025, que incluem inclusive cultivares de soja e milho resistentes ao estresse hídrico. Confira a entrevista.
Silvia Massruhá – A Embrapa, ela é o seguinte, pesquisa se faz com infraestrutura humana, infraestrutura física e infraestrutura financeira. Então é um tripé, não tem como a gente tirar nenhum dos eixos. É lógico que hoje o orçamento ideal para a Embrapa do custeio e investimento seria por volta de R$ 500 milhões anuais. O que ocorre: a gente fez em 2024 uma previsão de R$ 376 milhões. Só para explicar, há 10 anos esse orçamento era aproximadamente de R$ 800 milhões, então, hoje é aproximadamente R$ 160 milhões. Então, realmente teve uma redução de 80% em 10 anos, um orçamento tobogã. O que ocorre é o seguinte, na previsão de 2024 era de R$ 376 milhões. Quando tiveram as negociações [do orçamento da União] e teto fiscal, foi aprovado o orçamento da Embrapa [para custeio] em R$ 176 milhões para 2024. Então, isso é o que representa R$ 200 milhões a menos do que a gente queria. O que isso impactou? Impactou, principalmente, de novos projetos de pesquisa, novas ações de transferência de tecnologia. É sempre a pesquisa que é mais afetada. Ao longo do ano teve contingenciamentos, suplementações e no final ficou aí um déficit de R$ 26 milhões em 2024.
AE – Presidente, o que está sendo discutido como novas receitas para compor esse orçamento da Embrapa?
Massruhá – A gente tem discutido amplamente, inclusive com o conselho de administração e com o Ministério da Agricultura e Pecuária, várias propostas. Hoje, a Embrapa é totalmente dependente do governo. Esse é o modelo que ela foi criada. É importante que o governo invista, mas a gente acredita, e vem discutindo junto com o Ministério e também no Conselho de Administração, que o modelo financeiro da Embrapa não pode ser só o governo federal. Tem que ter outras fontes. É como se fosse um gráfico de pizza. A Embrapa, nos últimos anos, tem trabalhado muito para intensificar a parceria público privada. Então, a primeira ação que a gente fez foi implantar um Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT). A Embrapa é uma ICT, uma instituição de ciência e tecnologia. As ICTs podem trabalhar com o núcleo de inovação tecnológica e a Embrapa ainda não tinha implementado o núcleo. O que esse núcleo ajuda? Na captação de novas receitas e a entrar via fundação para você retroalimentar a pesquisa mais rapidamente. Hoje, a Embrapa capta R$ 40 milhões, é pouco perto do que ela gera, mas a gente tem trabalhado com alguns produtos que têm o potencial, por exemplo, de captar mais royalties. Aí nós montamos também em 2024 um grupo de trabalho para ver essas outras fontes de financiamento. Hoje, 27% [dos recursos para pesquisa] vêm do governo federal, 73% oriundos de outras fontes. Então é esse modelo [com diversidade de fontes e recursos mais previsíveis] que a gente quer criar. A gente viu que em outros países tem a questão do checkoff em que você consegue ter uma porcentagem que vem direto para a instituição de pesquisa. A gente discutiu também o modelo, por exemplo, do FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], que seria uma outra alternativa. A gente discutiu também a possibilidade de Fiagro em cima dos royalties da Embrapa. A gente poderia ter investidores, outras fontes de fomento, por exemplo, como fundo patrimonial.
AE – Tem alguma das propostas que chama mais a atenção da senhora? Alguma que a senhora ache mais viável, digamos assim?
Massruhá – Existe, sim, um ponto que eu acho que dá para resolver mais rapidamente que tem a ver com o NIT (Núcleo de Inovação Tecnológica), que eu acho que já pode ajudar bastante a Embrapa. Hoje, a Embrapa tem a captação de recursos próprios que entra na composição do orçamento dela, desses R$ 176 milhões que vem [para custeio de pesquisas]. Na minha visão, e que eu tenho discutido também no Conselho de Administração, é que esse recurso de captação própria da Embrapa, que ele sai [do orçamento da União destinado à Embrapa] e entra via NIT. Então, congelaria esses R$ 176 milhões, mas essa captação própria [de R$ 40 milhões], não entraria via orçamento [da União], mas sim via NIT. Seria um acréscimo de R$ 40 milhões ao orçamento.
AE – A Embrapa também está preparando uma agenda legislativa para 2025. Quais pautas vocês pretendem priorizar?
Massruhá – A Embrapa, ela sempre atua assim: criando notas técnicas, apoiando, seja em leis ou para políticas públicas. Por exemplo, a lei de bioinsumos a gente ajudou para que o projeto de lei fosse aprovado. A lei do combustível do futuro, a gente ajudou também. Foram mais de 15 iniciativas no legislativo em 2024, onde a Embrapa teve a participação. E nós já estamos discutindo outras. Uma tem a ver com o orçamento para o Plano Nacional de Incentivo à Pesquisa Agropecuária (PNIPA). Tendo esse fundo [aprovado], não seria só a Embrapa [beneficiada]. Envolve as universidades, os órgãos estaduais de pesquisa, todo o sistema nacional de pesquisa agropecuária. Como que a gente poderia viabilizar esse fundo? Então a gente precisa do apoio do legislativo para isso. É uma outra forma de fonte que entraria para a Embrapa. A gente precisa intensificar essa discussão agora em 2025. Tem também o tratado de Budapeste com mais de 80 países, que são signatários e podem receber material biológico de micro-organismos. O Brasil foi aprovado, mas isso precisa ser trabalhado agora para finalizar. Tem a parte do Programa de Desenvolvimento da Indústria de Fertilizantes (Profert). Esse [projeto] também é algo que a gente pode estar intensificando em 2025. Esses são os principais. Na segunda ou terceira semana de fevereiro, a gente já entra com a nossa equipe agendando para que a gente possa apresentar essas demandas junto ao legislativo.
AE – Mudando um pouco de assunto, a Embrapa tem um planejamento de entregas anuais. O que se pode esperar para este ano?
Massruhá – A Embrapa tem alguns temas que são prioritários e mudanças climáticas é um que a gente trabalha com portfólio focado desde 2010. O que a gente tem feito agora é levantar com as várias unidades da Embrapa, dados, métricas, informações dos vários sistemas de produção e o balanço da emissão de gases de efeito estufa. Nós temos um convênio com o Ministério de Ciência e Tecnologia, que coordena o inventário nacional da emissão de gases de efeito estufa para vários setores, e a Embrapa, na parte de agropecuária, ela está levantando esses dados e informações que a gente tem nos últimos 15 anos. Isso vai ser apresentado na COP 30. Nós temos trabalhado junto ao Ministério da Fazenda numa taxonomia de sustentabilidade. É uma classificação dos indicadores econômicos, ambientais e sociais para que isso possa ser usado para um custeio mais sustentável. Esse trabalho já foi finalizado, foi entregue e agora vamos ver como implementar isso em 2025. A gente tem trabalhado também num projeto que chama Integra Carbono, que terá dados sobre agricultura de baixo carbono para soja, milho, carne e trigo. Para que isso? Para subsidiar novas políticas públicas. Outra entrega, e eu acho que talvez a principal delas, tem a ver com o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas. Nos 40 milhões de hectares de pastagem degradada, a gente fez um estudo cruzando os dados do zoneamento agrícola em cada uma dessas áreas para ver qual aptidão [de cultura agropecuária] que teria para os 5 mil municípios nos 26 estados e o Distrito Federal. A Embrapa está fazendo todo esse estudo técnico. A gente vai ter que criar um modelo que a gente consiga também trazer esses dados para subsidiar o crédito agrícola, incentivo para que o produtor adote as boas práticas.
AE – Mudanças climáticas estão no foco das entregas?
Massruhá – O clima influencia muito a produção da agropecuária, então já temos uma linha trabalhando na prospecção de genes resistentes ao estresse hídrico. Hoje nós já estamos indo para campo com várias dessas culturas. Eu acho que é milho, soja e cana já. E isso vai trazer resultados, e a partir desses resultados, [traz] direcionamento de variedades mais adaptadas. Então, com as mudanças climáticas e eventos extremos com ocorrências mais próximas, nós vamos ter que sempre estar atentos a isso. Então, a gente já tem feito isso dentro da nossa programação de pesquisa, a gente tem priorizado esses projetos.
Fonte: Agro Estadão